3. Response to Nicola Watson (in Portuguese)

Leandro Pasini

O texto de Nicola Watson abre uma série de perspectivas as relações entre Turismo Literário, Patrimônio Literário e Estudos Literários tendo como pano de fundo as possibilidades de emprego e financiamento fora da universidade. Até onde pude perceber, o texto possui pelo menos cinco níveis de entendimento sobre o tema proposto: 1.) O patrimônio literário [literary heritage] como espaço patrimonial do Estado, um tipo de capital cultural vinculado à ideia de nação e das diversas políticas de nacionalismo cultural; 2.) Próximo a isso, há um nível de mercado literário propriamente dito, em que objetos e espaços adquirem um tipo de cotação no mercado nacional e internacional e nesse sentido geram lucros a partir da sua posição como valor de troca; 3.) Uma dimensão subjetiva, por assim dizer, induzida, na qual o espaço e o patrimônio literário precisam ‘despertar emoções’, ser inspirador ou ‘a ground of inspiration’, como diz Watson, o que pode gerar textos, selfies, poemas, narrativas etc.; 4.) Um novo campo de pesquisa para os estudos literários [‘a new site of academic research’], em que estudantes e profissionais treinam e são treinados para trabalhar com turismo literário e patrimônio literário, criando assim uma dimensão prática do impacto dos estudos literários fora da academia; 5.) Uma questão teórica a respeito da relação da literatura com o seu espaço (seja natural ou urbano) e com os objetos por meio dos quais ela é feita.

Em relação ao turismo e ao patrimônio literário no Brasil, eu gostaria de me concentrar em dois autores, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade (not related) [não dá tempo de falar de Guimarães Rosa, mas há um ‘roteiro’ do Grande Sertão: Veredas no norte de Minas e sua casa em Cordisburgo é hoje o Museus Guimarães Rosa] e a sua relação com formas diferentes de espaço: a casa e a cidade. Nesse sentido, o caso de Mário de Andrade representa o lado empenhado mas pouco mercantil dos estudos literários em relação ao espaço e ao patrimônio, pois a obra de Mário de Andrade está vinculada a pelo menos duas referências importantes na representação do Brasil: o modernismo na literatura e nas artes, e o espaço urbano da cidade de São Paulo. A casa de Mário de Andrade, rua Lopes Chaves, 546, Barra Funda (SP) foi uma referência por dois motivos: por ser um ponto de encontro de artistas e intelectuais, e por ser o espaço em que Mário compôs o seu amplo acervo, composto por biblioteca, artes plásticas, fichário, correspondência etc. (“aqui tudo se acumulou”, diz um verso de Drummond). Tanto assim que a aquisição desse acervo em 1968 pela Universidade de São Paulo foi um marco na institucionalização do modernismo nos estudos literários. A instituição que zela pelo seu acervo, o Instituto de Estudos Brasileiros (da USP) faz exposições periódicas de objetos do escritor, embora sem grande difusão. Além disso, a sua casa transformou-se em uma oficina cultural, sendo assim preservada como patrimônio literário. Contudo, ainda não houve, para bem e ou para mal, um processo de “capitalização cultural” do espaço. Era muito conhecida a divisão da casa de Mário de Andrade. Ela se compunha de dois andares, no primeiro era uma casa tradicional paulistana, espaço que a família habitava (mãe, irmã, tia), no andar de cima ficava o seu escritório, o acervo, a biblioteca − era nesse segundo andar o espaço de encontros de artistas, elaboração de obras, escrita e recebimento de correspondência etc. No entanto, a oficina cultural que hoje é a casa transformou o segundo andar em um espaço de salas vazias para oficinas e dispôs um pequeno museu na parte de baixo, desfazendo, assim, parte da organização modernista, da ‘aura’ do lugar, nesse sentido, talvez os estudos literários poderiam ter aumentado o valor histórico-literário do espaço turístico-patrimonial. Ainda sobre Mário de Andrade, seu primeiro livro Pauliceia desvairada (1922) percorre uma série de espaços na cidade de São Paulo que, até onde sei, ainda não se transformou num itinerário comum de turismo literário.

O caso de Drummond, talvez o mais importante poeta brasileiro, de que tiro apenas algumas conclusões, é diferente. Há uma estátua dele num banco da orla da praia de Copacabana (bem perto de onde ele morava) que é uma espécie de atração da praia, há sempre gente tirando selfie junto com ela, no geral fotos engraçadinhas (além de sempre roubarem partes dos óculos do poeta), o que faz supor que nem todo mundo saiba com quem esteja tirando selfie e se esse ato é propriamente ‘literário’. Duas quadras para dentro do bairro, em frente ao prédio onde ele morou há a “Praça do Poeta”, em que há versos seus pelas ruas e que raramente é referida nos roteiros culturais da cidade. Uma nota pitoresca aconteceu comigo quando fui procurar o túmulo do poeta no cemitério São João Batista (em Botafogo/RJ). Embora seja um cemitério de gente importante (há um mausoléu da Academia Brasileira de Letras lá), não havia um mapa das personalidades lá enterradas, então perguntei à pessoa que trabalhava lá se ele sabia onde estava o Drummond. Para minha surpresa ele disse que sabia e me orientou. No entanto, o túmulo era o de Santos Dummont... O do Drummond ele não sabia onde era e eu não consegui encontrá-lo sozinho, embora tenha ficado umas 2 horas caminhando pelo cemitério...

A minha hipótese na apresentação desses autores é a seguinte: a dimensão patrimonial e espacial da literatura existe, mas existe de forma dispersa, quase diria atomizada, ou melhor, ela estaria num estágio “pré-industrial”, artesanal, por assim dizer. Contudo, se o contexto do turismo e do patrimônio literários no Brasil é rudimentar não se sabe ainda quais seriam os efeitos de conectar e expandir esses espaços, para que acervos-museus-espaços literários-guias turísticos-pesquisadores-aulas-e-publicações possam criar um circuito em que os estudos literários possam gerar impacto fora da universidade em conjunção com mercado e a conservação do patrimônio. Dessa forma, a perspectiva brasileira pode servir de base para medir, no momento atual, os efeitos de uma atuação substantiva do mercado sobre a academia (o que já está, de certa forma, prefigurado no modo como se conduz anualmente a FLIP – Festa Literária de Parati) e também pode servir para questionar qual é a ideia de literatura envolvida nesses tipos de projeto.