1b. Estudos literários, publishing studies e emprego (in Portuguese)

Suman Gupta
Tradução de Fernando Urueta

Na medida em que o estudo da literatura implica uma relação com textos e com a leitura, parece natural assumir que os programas universitários de estudos literários preparam efetivamente os estudantes para uma carreira no campo da publicação. Alguns aspectos da disciplina aproximam-se de preocupações editoriais, como a edição de textos, a bibliografia analítica, as culturas da leitura ou a história do livro e da edição. Um número significativo de acadêmicos com bagagem nos estudos literários são contratados para ensinar e pesquisar em centros universitários e departamentos de publishing studies. Esses espaços institucionais têm com frequência uma estreita relação laboral com espaços homólogos na área de literatura, aos quais eventualmente estão formalmente afiliados. Parece possível que a bagagem nos estudos literários, especialmente no que diz respeito às suas dimensões materiais, possa facilmente informar o negócio aplicado da publicação. Esta apresentação foca-se nas supostas afinidades entre os estudos literários e a edição, e coloca a questão de se a formação em estudos literários abre realmente as portas para empreendimentos nesse campo, bem como à possibilidade de tirar dele o próprio sustento.

Eu me concentro aqui no contexto britânico ­­— um contexto razoável para nos concentrarmos nesse momento. Segundo o relatório anual de outubro de 2014 da International Publishers Association (IPA), a Grã-Bretanha é o quinto maior mercado livreiro no mundo, com um valor de mercado de 3875 milhões de euros em 2013 (ficando atrás dos Estados Unidos, da China, da Alemanha e do Japão — aliás, o Brasil é o décimo, com um valor de 2239 milhões de euros). Além disso, a Grã-Bretanha publica a maior quantidade de títulos per capita no mundo (2875 novos títulos por milhão de habitantes em 2013 — o Brasil publicou 104 novos títulos por milhão de habitantes no mesmo ano). O Reino Unido é também o maior exportador de livros depois dos Estados Unidos. Assim, se você almeja um emprego no setor editorial, a Grã-Bretanha parece um bom lugar para procurá-lo. Não surpreende, portanto, que os programas de graduação e pós-graduação em publishing studies tenham hoje uma presença significativa nas universidades britânicas e concorram com os estudos literários e outros programas de disciplinas específicas.

Os programas universitários de publishing studies têm uma curta história se comparados com a maioria das áreas de estudos literários. O primeiro programa de tempo integral no ensino superior britânico foi o Diploma em Publishing de três anos, oferecido pelo Oxford College of Technology desde 1961; o primeiro curso de graduação começou no Oxford Polytechnic em 1982 e o primeiro diploma de pós-graduação em 1988; o Oxford Polytechnic tornou-se a Oxford Brookes University em 1994 e seu International Centre for Publishing Studies ofereceu graus de bacharelado e mestrado em edição desde 1997. Centros e programas de pós-graduação semelhantes em publishing studies surgiram na City University London e na University College London (UCL) na segunda metade dos anos 90. Alguns dos programas de graduação (bacharelado) e pós-graduação (mestrado) atualmente oferecidos em universidades públicas do Reino Unido são:

O Universities and Colleges Admissions Service (UCAS) apresenta números sobre a escala de ingresso nos programas de publishing studies das universidades britânicas (na categoria de publicação, mídia e gestão da informação). Esses números dão uma sensação da posição atual de tais programas; para colocar os números da admissão total nessa área em uma perspectiva comparativa, vou citar também os números correspondentes à categoria de linguagem (que inclui estudos literários) — de programas de graduação e pós-graduação:

O fato de os programas universitários de publishing studies concorrerem com aqueles dedicados aos estudos literários parece imediatamente um pequeno problema, pelo menos no que diz respeito à exploração das afinidades para o desenvolvimento das carreiras. Isso sugere que os estudos literários e os publishing studies são caminhos educacionais paralelos que conduzem ao mesmo mercado de trabalho. Esse é certamente mais o caso no que se refere aos programas de graduação (bacharelado) do que aos de pós-graduação — é possível passar de um programa de graduação em estudos literários para um de pós-graduação em publishing studies e tirar o melhor das afinidades aparentes. Como sugerido na lista acima, os programas de mestrado em publishing studies parecem ser mais amplamente oferecidos, por um número maior de instituições no Reino Unido, talvez justamente por esse motivo. Indiscutivelmente, é desejável que aqueles que entram no negócio editorial tenham não apenas um bom entendimento dos processos de produção relevantes, mas também interesse em algumas áreas do conteúdo que é publicado — na medida permitida por um primeiro grau. É claro que esses interesses no conteúdo podem vir de qualquer bagagem disciplinar, e as afinidades entre os publishing studies e os estudos literários não implicam nenhuma vantagem significativa, exceto na área limitada da publicação literária. Na verdade, é muito difícil ver como, na medida em que os programas universitários se desenvolvem, qualquer afinidade entre os estudos literários e os publishing studies pode incidir significativamente nas perspectivas de emprego no setor editorial. Talvez essas afinidades possam ser exploradas em um nível curricular dentro dos programas de estudos literários e publishing studies; no presente isso acontece, no máximo, de maneira desigual. Da mesma forma, é possível destacar que há afinidades semelhantes com outras disciplinas — media and culture studies, sociologia, comunicação, economia e política, etc. — e que as supostas afinidades com os estudos literários são apenas uma pequena parte do quadro.

Na medida em que as afinidades entre (algumas áreas de) estudos literários e publishing studies se refletem em programas universitários, geralmente num nível de pós-graduação, elas parecem se mover para uma direção afastada das vantagens de trabalho. Os programas de pós-graduação em publishing studies podem ter duas direções: enfatizar a inculcação de habilidades utilizáveis na indústria editorial ou enfatizar um conhecimento aprofundado da indústria editorial que possa levar a mais pesquisa. O último promete emprego na academia ou no desenvolvimento de políticas, e não diretamente na indústria editorial (ou em indústrias criativas relacionadas), ou, na melhor das hipóteses, pode atrair aqueles que já trabalham no setor editorial, ao invés daqueles que buscam entrar no setor. As afinidades entre os estudos literários e os publishing studies — através da edição de textos, bibliografia analítica, culturas da leitura, história do livro e da publicação, etc. — têm lugar precisamente em áreas relacionadas com conhecimento mais do que com habilidades. A maioria dos programas de pós-graduação em publishing studies oferecem uma combinação de ambas as direções, na esperança de atrair alunos interessados, mantendo todas as opções abertas. Isso dá a impressão de que aqueles com uma bagagem em estudos literários podem ter alguma vantagem para encontrar o seu caminho para o negócio editorial. Em alguns casos, porém, as duas direções são claramente diferenciadas em programas separados. Das várias ofertas de mestrado oferecidas pelos programas de publishing studies da Oxford Brookes, por exemplo, o mestrado em história do livro e cultura editorial está, obviamente, mais orientado para o conhecimento do que baseado em habilidades, para o desenvolvimento de competências visando um futuro de trabalho na academia mais do que na indústria editorial. A distinção é mais claramente marcada nos dois tipos de programas de mestrado em publishing studies oferecidos pela University of Stirling — o M.Res. e o M.Litt. As respectivas descrições desses programas no site da universidade fazem evidente a diferença:

Esses programas são projetados para cativar alunos com diferentes planos para o seu futuro.

Apesar dos óbvios cálculos sobre empregabilidade que entram na concepção dos programas universitários, e das afirmações nesse sentido feitas nos seus materiais publicitários, não é necessariamente evidente que um título em publishing studies ofereça uma vantagem definitiva sobre um título em estudos literários — ou qualquer outro — para encontrar emprego na indústria editorial. Já faz tempo que venho digitalizando anúncios de acesso ao emprego na indústria editorial britânica, e ainda não encontrei um só que demonstre preferência específica por um título em publishing studies. A maioria dos editores organizam treinamentos internos ou cursos de formação para seus empregados (vários são oferecidos pela Publishers Association). Os números do UCAS sobre os destinos de emprego daqueles com pós-graduação em edição etc. e em linguagem em 2013/14 dão uma imagem complexa e, até certo ponto, inesperada:

No entanto, esses números são apenas muito vagamente indicativos: note-se, em primeiro lugar, que as duas amostras (de 7825 e 1970 respondentes, respectivamente) são de escalas muito diferentes e, além disso, representam percentagens muito diferentes dos recortes em pauta (em 2013/14, 7825 alunos de edição etc. representaram 78% do total de alunos, enquanto 1970 alunos de linguagem representaram 12,6% do total de alunos).

Por trás dos cálculos que entram no planejamento dos programas universitários e das indicações dos destinos de emprego de seus graduados, há uma questão maior: a indústria editorial é, em geral, uma área promissora para a procura de emprego?

É difícil responder essa pergunta, em parte porque os documentos políticos com respeito a isso assumem habitualmente um tom otimista, e em parte porque as estatísticas são ainda mais vagas do que o normal. O quadro geral do estado da indústria entre 2012 e 2015 é sucintamente resumido nas seguintes tabelas, apresentadas no relatório de 2015 da British Publishers Association e extraídas a partir dos dados do Office for National Statistics:

Diferentes fatores estão em jogo nesses números (tais como aquisições e fusões), mas no geral o estado da indústria parece razoavelmente estável durante este período, com um crescimento muito leve tanto no volume de negócios global quanto na dimensão global do emprego.

Essa estabilidade geral, no entanto, não é necessariamente uma boa notícia para as perspectivas de emprego, i. e. para a abertura de novos empregos na indústria. As tabelas mostram que as oportunidades de emprego estão crescendo lentamente (i. e. as necessidades de emprego do setor são limitadas), enquanto o número de candidatos a emprego qualificados (todos aqueles novos graduados de publishing studies e estudos literários a cada ano) está crescendo muito mais rápido. Alguns indícios das necessidades mais amplas do mercado de emprego em diferentes setores são apresentados nos relatórios anuais da Highflyers Research Limited — o relatório de 2015 apresenta as seguintes estimativas indicativas:

A edição se concentra principalmente no setor da mídia, que tem o maior impacto nas metas de recrutamento para 2015 com respeito a 2014. Isso sugere que o setor já emprega mais pessoas do que necessita e que pode, de fato, tentar reduzir sua força de trabalho.

Dado que o sector parece estável em termos de volume de negócios e mão-de-obra, a possibilidade de próximas demissões parece um pouco paradoxal. Pelo menos um dos fatores que explicam isso tem a ver com mudanças tecnológicas significativas no setor — o que tem um efeito particular sobre a indústria editorial. A grande notícia das últimas décadas foi a mudança muito gradual da publicação impressa para a digital, e o desenvolvimento de condições que tornam mais fácil a distribuição eletrônica e o varejo (onde a publicação de acesso aberto forma um horizonte externo). Em resumo, isso significa que os custos de produção e distribuição de livros no ambiente digital são desprezíveis se comparados com os de impressão, e eles podem ser entregues usando apenas uma fração da força de trabalho que está lá agora. A lógica do capitalismo exige uma transição necessária dos processos impressos para os digitais na indústria editorial, através da qual a produção e a distribuição permanecerão constantes ou aumentarão com gastos consideravelmente menores em materiais e mão-de-obra — garantindo margens de lucro crescentes e crescimento econômico geral do setor. Essa transição está em curso agora; uma mudança radical na indústria está acontecendo.

Como irão responder a essas mudanças os programas universitários que atraem estudantes com a promessa de emprego neste setor, como publishing studies e estudos literários, é um tema atual para o debate. Esse debate precisa ser informado pela pesquisa sobre as implicações daquelas mudanças. A base de conhecimentos dos estudos literários, especialmente onde eles têm afinidades com os aspectos acadêmicos dos publishing studies, está bem posicionada para realizar essa pesquisa, e o pesquisador literário empreendedor pode ter algo a ganhar com isso.

 

Fontes

Highfliers Research Limited (2016). The Graduate Market in 2016: Annual Review of Graduate Vacancies and Starting Salaries at Britain’s Leading Employers https://www.highfliers.co.uk/download/2016/graduate_market/GMReport16.pdf

International Publishers Association (IPA) (2014). Annual Report, October 2013-October 2014. http://www.internationalpublishers.org/news/industry-news/454-ipa-releases-annual-report-and-global-publishing-statistics

Oxford International Centre for Publishing Studies, Oxford Brookes University, website: http://publishing.brookes.ac.uk/

The Publishers Association, UK (2015). UK Book Industry Statistics. http://www.publishers.org.uk/resources/uk-market/statistics-news/uk-book-industry-in-statistics-2015/

Stirling Centre for International Publishing and Communication, University of Stirling, website: http://www.publishing.stir.ac.uk/

UCL Centre for Publishing, University College London, website: https://www.ucl.ac.uk/publishing/

Universities and Colleges Admission Services (UCAS) website: https://www.ucas.com/